o ano era 1912. john estava cansado de pegar os mesmos peixes na mesma margem da mesma curva do mesmo riacho. depois de conseguir o suficiente para o jantar (o que não era muito, já que não jantava acompanhado havia mais de 30 meses), j. resolveu devolver os peixes (ainda vivos) para o riacho. tirou as calças e foi nadar com eles. fazia tempo que não tomava decisões que certamente prejudicariam o seu futuro de alguma forma, mesmo que insignificante. aliás, nunca havia tomado decisões que prejudicassem o seu futuro, mesmo sem ninguém para lembrá-lo de suas obrigações senão ele mesmo, desde que seus pais morreram eletrocutados na maior tempestade que rhode island viu no século xix. john havia construído uma carreira profissional bem sucedida como secretário da central telefônica, mas agora que estava velho (completara 30 anos na última terça-feira) seus dedos não serviriam mais para conectar os cabos que satisfaziam os desejos de fofoca dos cidadãos. duas semanas se passaram desde que fora demitido, tempo demais para pensar, que transformou j. num homem confuso e sedento por um período sabático prolongado. nadar no riacho imaculado da pequena locktown era tudo, menos recomendável. certamente transgressor. sentia a adrenalina até nas pontas dos dedos e no couro cabeludo, como se os hormônios fortalecessem o crescimento dos cabelos para, de algum forma, se extravasar do corpo franzino de john. depois de dois segundos a sensação parou. sentia que não fora feito para isso. nascera para ser grande em coisas pequenas e exagerar apenas em emoções, como quando casou no ensino elementar e, duas semanas depois, sua esposa mudou-se para a outra costa. agora, depois do sumiço do prazer da adrenalina, começava a sensação de gelo nas pernas embaixo d'água e, associado a esse gelo, o medo que o fim do mundo estivesse ali, que qualquer coisa ou monstro, mesmo que não fosse de água doce, puxasse sua tosca existência pelas pernas. apesar do pânico do incerto e da lembrança longínqua do frio nos pés da única vez que entrou em um lago com sua mãe aos 6 anos de idade, j. sentia que agora o gelo era diferente e que até poderia ser agradável. afinal, estava desempregado, vinha de uma família de classe média e a parca herança dos pais havia sido desperdiçada nos estudos que não o salvaram da solidão. anos depois, a sensação de j. neste momento de mescla de aflição e prazer será novamente suscitada quando uma lady inglesa, cansada de um mundo onde homens fazem guerras, decidirá entrar em um riacho com pedras nos bolsos de seu casaco. john não havia pensado em pedras e isso o aliviava, pois o frio começava a ficar mais intenso do que poderia suportar. só conseguia pensar no chá quente que tomaria logo depois de voltar para sua casa. pedras no bolso do casaco ainda não pareciam a resposta para alguém que nunca aprendeu a dançar.